Os rebeldes pró-Rússia sugerem um referendo, uma medida que a Moldávia rejeitou como propaganda sem sentido.
Bucareste, Romênia – O telefone de Alexandru Flenchea toca sem parar desde a semana passada.
“Não sei dizer quantos telefonemas recebi nos últimos dois dias, tanto da imprensa como de apenas conhecidos”, disse Flenchea à Al Jazeera, por telefone.
As pessoas continuam a perguntar-lhe se é seguro permanecer na Moldávia.
“É simplesmente uma loucura”, disse ele.
Flenchea dirige a Associação de Paz Iniciativa 4 em Chisinau, capital da Moldávia.
Tem recebido apelos desde que Ghenadie Ciorba – uma figura da oposição na Transnístria – sugeriu recentemente que os separatistas poderiam convocar um referendo sobre a anexação da região à Rússia.
Na quarta-feira, o apelo alardeado por Ciorba não ocorreu num raro congresso especial na estreita faixa de terra que é internacionalmente reconhecida como território da Moldávia, mas apoiada pela Rússia.
Mas o “congresso de deputados de todos os níveis” na capital da região separatista aprovou uma resolução que procurava o apoio de Moscovo para evitar uma aparente crise económica, que atribuíram à Moldávia.
“Há pressão social e económica sobre a Transnístria, o que contradiz os princípios e abordagens europeias à protecção dos direitos humanos e do comércio livre”, dizia a resolução.
A Transnístria está sob o controlo das autoridades separatistas desde 1992 e é o lar de cerca de 470 mil pessoas.
As autoridades moldavas rejeitaram a sua exigência como um movimento de propaganda e minimizaram os acontecimentos recentes, dizendo que não há risco de escalada.
A reunião de quarta-feira ocorreu apenas um dia antes do discurso anual do presidente russo, Vladimir Putin, na Assembleia Federal Russa.
Encravada entre a Moldávia e a Ucrânia, a Transnístria não é reconhecida por nenhum membro das Nações Unidas como uma entidade independente.
Cerca de 1.500 soldados russos estão estacionados na faixa, que abriga pessoas de etnia russa, ucraniana e moldava.
“As pessoas da Transnístria têm o seu próprio passaporte que não é válido em lado nenhum”, disse Cristina Afinoghenova, de 36 anos, originária da Transnístria e que actualmente vive em Chisinau.
Como resultado, “muitos obtêm documentos secundários”, acrescentou.
A maioria dos transnístrios possui passaportes moldavos, enquanto alguns possuem documentos russos e ucranianos.
Afinoghenova, que tinha seis anos quando a região declarou a independência, recordou discussões “particularmente sobre a língua”, argumentando “se a língua moldava não tinha prestígio” ou “se o russo era considerado cool”.
O conflito pela Transnístria em 1989 foi sobre “a questão linguística”, segundo Anatoli Dirun, chefe da Escola de Estudos Públicos de Tiraspol; Tiraspol é a capital da região.
A Transnístria fazia parte do que era conhecido como República da Moldávia dentro da União Soviética.
Contudo, com a proclamação da perestroika, o movimento de reforma política e financeira lançado pelo líder russo Mikhail Gorbachev, o crescimento dos movimentos nacionais começou em muitas repúblicas soviéticas.
“A Moldávia não foi exceção”, disse Dirun.
Então, o parlamento da Moldávia em 1990 decidiu que a única língua oficial da república seria o moldavo na escrita latina.
A Transnístria, historicamente sob a soberania do Império Russo, que acabara de aderir à Bessarábia (Moldávia) em 1940, “não concordou com esta decisão”, acrescentou Dirun.
“Depois de as suas exigências terem sido ignoradas, a população da Transnístria organizou uma greve em grande escala”, explicou.
‘Ensanduichado entre Chisinau e Kyiv
A guerra na Ucrânia polarizou as opiniões em ambos os lados do rio Dniester.
Dirun acredita que desde 2014, em meio ao conflito de Donbass e à anexação russa da Crimeia, “a Ucrânia mudou seriamente a sua atitude em relação à Transnístria, considerando as tropas russas estacionadas lá como uma ameaça à sua segurança nacional”.
Depois de Fevereiro de 2022, na sequência da invasão do seu vizinho pela Rússia, a Ucrânia fechou a sua fronteira com a Transnístria.
“Tiraspol ficou imprensada entre Chisinau e Kiev”, disse Dirun.
A agressão russa na Ucrânia também teve impacto nas negociações, disse um porta-voz do governo da Moldávia de um departamento centrado nas políticas de reintegração.
“[It] está atualmente [impossible] realizar reuniões, uma vez que dois dos seus atores muito importantes, a Ucrânia e a Rússia, não podem sentar-se à mesma mesa para negociar”, disse o porta-voz.
Segundo Afinoghenova, há crianças e pais na Transnístria “que têm opiniões diferentes [regarding the war in Ukraine] e pararam de se encontrar e falar uns com os outros”.
Problemas econômicos
O encerramento da fronteira com a Ucrânia, combinado com a decisão da Moldávia de tributar os bens importados para a região separatista, disparou os preços dos produtos básicos, disse Afinoghenova, cujos pais e familiares vivem na Transnístria.
Segundo Dirun, a guerra abalou a economia da Transnístria “mas também forçou a liderança da Transnístria a assumir uma posição mais contida” e “a não demonstrar as suas opiniões pró-Rússia”.
A guerra na vizinha Ucrânia também tornou a Transnístria “um terreno ainda maior para campanhas de desinformação”, disse Anastasia Pociumban, investigadora do Centro para a Ordem e Governação do Conselho Alemão de Relações Exteriores.
Outro desafio “tem estado relacionado com o fornecimento de energia eléctrica”, acrescentou Pociumban.
A Moldávia já foi uma das nações europeias mais dependentes da energia russa.
Em 2023, tornou-se independente do gás russo, mas continua a depender da eletricidade proveniente da região separatista da Transnístria.
Pociumban argumentou que “a anteriormente total dependência da Moldávia da Rússia e do gás e electricidade da Transnístria foi usada como uma vulnerabilidade para a chantagem da Rússia”.
Na outra margem do rio Dniester, na Moldávia, “esta guerra [also] polarizou ainda mais a população”, disse Alexandru Flenchea.
Contudo, “se há uma coisa que todos os moldavos têm em comum é que quase todos nós não queremos a guerra”, acrescentou.
A Moldávia recebeu oficialmente o estatuto de país candidato pela União Europeia em junho de 2022, um processo em que o bloco ainda acredita.
“O futuro europeu da Moldávia não pode ficar refém do conflito”, disse Peter Stano, porta-voz da UE, à Al Jazeera.
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