O fluxo de ajuda crítica da ONU para o noroeste da Síria foi interrompido, pois a política dificulta a assistência às áreas controladas pelo governo.
A escala da destruição após o terremoto que atingiu áreas da Turquia e da Síria na segunda-feira não tem precedentes, mesmo para os residentes do país devastado pela guerra.
Do lado sírio, a área afetada pelo terremoto de magnitude 7,8 e seus tremores secundários está dividida entre o território controlado pelo governo e o último bolsão de terra controlado pela oposição do país, cercado por forças do governo apoiadas pela Rússia.
O som de ataques aéreos é uma ocorrência regular para os estimados 4,5 milhões de residentes no enclave sitiado, mas o rugido de vários edifícios desmoronando ao mesmo tempo foi uma nova calamidade.
Ismail Alabdullah, um voluntário dos Capacetes Brancos na província de Idlib, disse que pelo menos cinco prédios residenciais desabaram no vilarejo de Sarmada, onde sua equipe está correndo para encontrar sobreviventes há mais de 30 horas.
Cada apartamento nos blocos residenciais de vários andares “tinha uma família morando nele”, disse Alabdullah à Al Jazeera. “Levaremos dias, se não semanas, para alcançar a última pessoa.”
Pelo menos 790 pessoas foram mortas no noroeste da Síria controlado pela oposição e 2.200 ficaram feridas e o número deve aumentar, de acordo com dados coletados pelos Capacetes Brancos.
O grupo de resgate que opera em partes controladas pela oposição na Síria, também conhecido como Defesa Civil Síria, tem transportado suas poucas escavadeiras disponíveis de uma cidade para outra para responder a inúmeros pedidos de ajuda.
Mas os recursos são insuficientes e muitas vezes os voluntários recorrem a cavar com as próprias mãos. “Centenas de pessoas ainda estão sob os escombros, mas não temos equipamento suficiente para removê-las”, disse Alabdullah.
As tentativas de alcançar os sobreviventes foram prejudicadas pela chuva, temperaturas abaixo de zero e cerca de 200 tremores secundários que ameaçam derrubar ainda mais os edifícios que já caíram, bem como os edifícios danificados pela guerra.
Os sobreviventes acamparam nas ruas ou juntaram-se a acampamentos onde os recursos já eram escassos antes dos tremores, acrescentou o voluntário.
Organizações humanitárias disseram que o terremoto acrescentou outra camada ao sofrimento da população no noroeste da Síria, onde cerca de 4,1 milhões de pessoas precisam de assistência.
“As pessoas estão traumatizadas, se sentem impotentes”, disse Adnan Hazem, porta-voz do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) para a Síria, à Al Jazeera.
A região já enfrentava o primeiro surto de cólera em uma década e enfrentava tempestades de neve em meio à escassez de combustível quando ocorreu o terremoto.
As necessidades agora são “enormes”, disse Hazem.
Assista ao momento em que uma garotinha foi salva depois que equipes de resgate cavaram nos escombros para retirá-la de um prédio que desabou na Síria ⤵️ pic.twitter.com/D0XNtaoKPv
— Al Jazeera English (@AJEnglish) 7 de fevereiro de 2023
Entrega de ajuda ao noroeste da Síria
Países ao redor do mundo enviaram equipes para ajudar nos esforços de resgate na Turquia e a agência de gerenciamento de desastres do país disse que mais de 24.400 equipes de emergência já estão no local.
Mas no noroeste da Síria, que ainda está fora do controle do presidente sírio, Bashar al-Assad, após mais de uma década de guerra, a entrega de ajuda continua problemática.
“Ninguém nos contatou para oferecer ajuda”, disse Alabdullah dos Capacetes Brancos.
O noroeste da Síria se tornou um dos lugares mais difíceis de alcançar, com apenas uma travessia disponível para transportar ajuda da Turquia para áreas controladas pela oposição. O epicentro do terremoto na vizinha cidade turca de Gaziantep, um importante centro de ajuda das Nações Unidas para o norte da Síria, estava entre as cidades afetadas.
O Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) disse que o terremoto interrompeu o fluxo vital de ajuda transfronteiriça.
“Estamos enfrentando uma interrupção temporária por causa das estradas, particularmente a estrada entre Gaziantep e Reyhanli”, disse Madevi Sun-Suon, porta-voz da OCHA, à Al Jazeera.
Não conseguir chegar a Reyhanli, um importante centro de transbordo onde a agência da ONU realiza operações de monitoramento e trabalho de verificação antes que os caminhões de ajuda cruzem para a Síria, “tem sido um desafio fundamental”, disse Sun-Suon.
O mecanismo de entrega de ajuda através da fronteira da Turquia na passagem de Bab al-Hawa, estabelecido em 2014, é a única maneira pela qual a assistência da ONU pode chegar a civis sem navegar por áreas controladas pelas forças do governo sírio.
Ele forneceu mais de 80% das necessidades das pessoas que vivem em áreas controladas pelos rebeldes.
O governo de al-Assad negou sistematicamente assistência humanitária a grande parte de sua população desde um levante popular em 2011, buscando a rendição de áreas controladas pela oposição. A Rússia, um dos apoiadores mais próximos de al-Assad, argumentou que a missão humanitária viola a soberania da Síria.
A Anistia Internacional pediu na segunda-feira à comunidade internacional para mobilizar recursos e ao governo sírio para “permitir que a ajuda chegue a todas as áreas afetadas pelo terremoto sem restrições”.
Relatos da mídia de oposição sobre bombardeios durante a noite na cidade de Marea também podem complicar os esforços de resgate. As associações sírias de direitos civis pediram à comunidade internacional que pressione al-Assad e seus aliados para interromper o bombardeio das áreas afetadas pelo terremoto.
Também insta a comunidade internacional a apoiar o resgate de civis em #Síria e pressionar o regime de Assad e seu aliado russo para garantir que não haja bombardeios nas áreas afetadas. 5/
— Associação Síria pela Dignidade do Cidadão (@SyrianACD) 7 de fevereiro de 2023
áreas do regime sírio
A agência de notícias estatal SANA disse na terça-feira que pelo menos 812 pessoas foram mortas nas áreas controladas pelo governo de Aleppo, Latakia, Hama, Idlib e Tartous, elevando o total no país para pelo menos 1.602 pessoas.
Os Emirados Árabes Unidos prometeram cerca de US$ 13,6 milhões em assistência humanitária à Síria, informou a mídia estatal, enquanto a Argélia anunciou sua participação nas operações de resgate com uma equipe especializada de proteção civil.
O governo da Síria negou ter solicitado ajuda israelense depois que Tel Aviv disse ter recebido um pedido de ajuda e que estava preparado para atender, no que teria sido um raro momento de cooperação entre os países vizinhos.
Síria e Israel estão tecnicamente em guerra, e acredita-se que Israel conduza ataques aéreos regulares contra locais militares pró-iranianos no país.
Espera-se que os governos ocidentais entreguem ajuda à Síria por meio de organizações não-governamentais para evitar o envolvimento com o governo de al-Assad, que eles não reconhecem como legítimo.
Os Estados Unidos disseram estar “comprometidos” em ajudar os residentes “dos dois lados” da fronteira Turquia-Síria, mas descartaram negociar diretamente com o governo sírio.
O secretário de Relações Exteriores do Reino Unido, James Cleverly, disse que fornecer ajuda à Síria é “complicado” e acrescentou que o Reino Unido está “trabalhando por meio de nossos parceiros da ONU no terreno”.
Mas a programação humanitária apoiada pela ONU no noroeste da Síria é subfinanciada há anos e carece de planejamento para desastres naturais.
O Plano de Resposta Humanitária da Síria (2022-2023) obteve menos de 50% dos US$ 4 bilhões necessários, com o terremoto apenas aumentando a diferença entre os fundos e as necessidades no terreno.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que a ONU conta com a comunidade internacional para ajudar os muitos milhares atingidos pelo desastre, “muitos dos quais já precisam urgentemente de ajuda humanitária em áreas onde o acesso é um desafio”.
A agência de refugiados da ONU na Síria disse que estava “coordenando ativamente uma resposta com agências da ONU e outros atores humanitários para fornecer assistência e apoio aos necessitados na Síria”.
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