Além de suas cores e formas simples, essas frutas carregam o peso da história, da cultura compartilhada e da perda.
O que melancias, laranjas, azeitonas e berinjelas têm em comum?
Sim, tecnicamente, são todas frutas. Talvez você ache que todos eles são deliciosos. Mas para os palestinos, eles simbolizam a cultura e a identidade palestinas.
Em protesto, na agricultura, na culinária e na literatura, os palestinos usam melancias, laranjas, azeitonas e berinjelas para representar a identidade nacional, a ligação à terra e a resistência.
Melancias
A melancia é talvez a fruta mais icônica que representa a Palestina. Cultivada em toda a Palestina, de Jenin a Gaza, a fruta partilha as mesmas cores da bandeira palestiniana – vermelho, verde, branco e preto – por isso é usada para protestar contra a supressão das bandeiras e da identidade palestiniana por parte de Israel.
Após a guerra de 1967, quando Israel assumiu o controlo da Cisjordânia, da Faixa de Gaza e anexou Jerusalém Oriental, o governo proibiu a bandeira palestiniana no território ocupado.
Embora a bandeira nem sempre tenha sido proibida por lei, a melancia se tornou um símbolo de resistência. Ele aparece em arte, camisetas, grafites, pôsteres e, claro, no onipresente emoji de melancia nas redes sociais.
Recentemente, a bandeira voltou a ser atacada. Em Janeiro de 2023, o Ministro da Segurança Nacional de extrema direita, Itamar Ben-Gvir, instruiu a polícia a confiscar bandeiras palestinianas de locais públicos. Isto foi seguido em Junho por um projecto de lei para proibir a bandeira em instituições financiadas pelo Estado, que segundo o Haaretz recebeu aprovação preliminar do Knesset.
Em resposta, a Zazim, uma organização de paz árabe-israelense de base, colocou a bandeira palestiniana – em forma de melancia – em cerca de uma dúzia de táxis de Tel Aviv.
“Se quiserem impedir-nos, encontraremos outra forma de nos expressarmos”, afirma Amal Saad, uma palestiniana de Haifa que organizou a campanha da melancia de Zazim.
Saad não tinha certeza se a direita tentaria impedi-la, então manteve seu planejamento sob o radar. No entanto, Saad disse que o apoio que recebeu foi esmagador, com mais de 1.300 ativistas doando para a causa.
As doações populares permitiram que Zazim mantivesse as melancias em produção durante duas semanas, uma semana a mais do que o inicialmente planeado, e a campanha passou agora a distribuir camisas de melancia.
Laranjas
A laranja Jaffa, originária do século XIX, ganhou destaque pela doçura e pela casca grossa e fácil de descascar, o que a tornou adequada para o transporte marítimo.
Antes da Nakba, ou catástrofe, de 1948, quando a criação de Israel levou à expulsão de mais de 750 mil palestinianos de aldeias e cidades onde os seus antepassados viveram durante séculos, as laranjas de Jaffa eram um importante produto de exportação para os agricultores e empresários palestinianos.
Devido ao seu destaque, as laranjas também se tornaram um símbolo de identidade nacional na literatura e na arte. O romancista e jornalista palestino Ghassan Kanafani usou laranjas para simbolizar a perda em seu conto de 1958 sobre a Nakba, chamado A Terra das Laranjas Tristes.
A história começa com o narrador e seu amigo, ambos meninos, observando sua família na véspera da Nakba. As famílias arrumam o que podem, mas são obrigadas a abandonar “as laranjeiras bem cuidadas que [they] tinha comprado um por um”.
O facto de estas árvores terem sido cuidadosamente cultivadas durante um longo período de tempo indica a forte ligação entre os agricultores palestinianos e a terra, que centenas de milhares de pessoas foram forçadas a abandonar durante a Nakba.
O último contato do narrador com a Palestina antes de entrar no Líbano é com um camponês vendendo laranjas na estrada. Em meio ao choro de sua família, ele pega algumas laranjas e as leva para o Líbano – uma lembrança de “todas as laranjeiras que [they] havia abandonado aos judeus”.
No Líbano, a vida é muito difícil para os refugiados, em particular para o pai do seu amigo. A história termina depois que o narrador testemunha o pai de seu amigo tendo um colapso mental. Ao lado do adulto chorando e tremendo, o narrador “viu no mesmo momento [a] revólver preto… e ao lado dele uma laranja. A laranja estava seca e murcha.”
O revólver, símbolo da morte, está ligado à laranja murcha pelo olhar do narrador. Deslocado à força da “terra das laranjas”, o narrador percebe a extensão da perda do povo palestino.
Azeitonas
Oliveiras podem ser encontradas em toda a Palestina e são um símbolo de resistência. Nour Alhoda Akel, uma palestiniana de 23 anos do vale do Ara, acredita que as oliveiras estão associadas à identidade palestiniana porque, tal como as laranjeiras na história de Kanafani, representam a ligação profundamente enraizada dos palestinianos à sua terra.
“As oliveiras podem viver centenas de anos”, diz Akel. “Então se a árvore lá fora da minha casa tem 100 anos, eu tenho uma ligação automática com ela”, referindo-se ao terreno onde está a árvore.
Todos os anos, durante a colheita das azeitonas, Akel junta-se à sua família para colher azeitonas no seu olival, uma herança de família.
“A família toda sai e todo mundo ajuda”, diz Akel. Depois de uma semana de colheita, fazem azeite e curam as azeitonas, o suficiente para durar a família até à colheita do próximo ano.
Para outros palestinos, a colheita da azeitona é uma importante fonte de rendimento. Além do azeite, que Akel afirma ser um ingrediente essencial na culinária palestina, as azeitonas são utilizadas em cosméticos e sabonetes.
Nos últimos anos, as oliveiras palestinas foram atacadas por colonos israelenses na Cisjordânia ocupada. Segundo a ONU, mais de 5.000 oliveiras pertencentes a palestinos da Cisjordânia foram vandalizadas nos primeiros cinco meses de 2023.
Nos anos anteriores, os colonos atacaram os palestinos durante a colheita da azeitona, que normalmente ocorre em outubro e novembro. Num único dia de Outubro de 2021, a Al Jazeera informou que os colonos arrancaram 900 mudas de oliveiras e damascos e roubaram colheitas de oliveiras na aldeia de Sebastia, a norte de Nablus.
Beringelas
Na fotonovela de Edward Said sobre a identidade palestina, chamada After the Last Sky, ele dedica algumas páginas às berinjelas, em particular às de Battir.
Battir é um Patrimônio Mundial da UNESCO conhecido pelas berinjelas. Até hospeda periodicamente um festival de berinjela.
Para Said, a berinjela é uma forma de ele se conectar com a Palestina, apesar de morar nos Estados Unidos. Ele viveu a maior parte de sua vida como exilado. No momento em que este livro foi escrito, Said ainda era membro da OLP, por isso Israel proibiu-o de entrar na sua terra natal.
Said conta que sua família era particularmente apegada às berinjelas Battiri.
Tanto é verdade que mesmo “durante os muitos anos desde que qualquer um de nós comeu berinjelas Battiri, o selo de aprovação para berinjelas boas era ‘Elas são quase tão boas quanto as Battiris’”, escreve ele.
0 Comments