A Rússia implantou o Grupo Wagner em operações militares em pelo menos meia dúzia de nações africanas.
Quando abusos foram relatados nas últimas semanas no Mali – sepulturas falsas projetadas para desacreditar as forças francesas; um massacre de cerca de 300 pessoas, a maioria civis – todas as evidências apontavam para os mercenários sombrios do Grupo Wagner da Rússia.
Mesmo antes desses temidos soldados profissionais se juntarem ao ataque à Ucrânia, a Rússia os havia enviado para operações militares sob o radar em pelo menos meia dúzia de países africanos. Seu objetivo: promover as ambições globais do presidente Vladimir Putin e minar a democracia.
O Grupo Wagner se faz passar por um empreiteiro militar privado e o Kremlin nega qualquer ligação com ele ou mesmo, às vezes, que exista.
Mas o compromisso de Wagner com os interesses russos tornou-se aparente na Ucrânia, onde seus combatentes, vistos usando o arrepiante emblema de caveira branca do grupo, estão entre as forças russas que atualmente atacam o leste da Ucrânia.
Na África Subsaariana, Wagner conquistou pontos de apoio substanciais para a Rússia na República Centro-Africana (RCA), Sudão e Mali. O papel de Wagner nesses países vai muito além da reportagem de capa de apenas fornecer um serviço de segurança, dizem os especialistas.
“Eles basicamente administram a República Centro-Africana” e são uma força crescente no Mali, disse o general Stephen Townsend, comandante das forças armadas dos EUA na África, em uma audiência no Senado no mês passado.
Os Estados Unidos identificam o financiador de Wagner como Yevgeny Prigozhin, um oligarca que é próximo do presidente russo e às vezes é chamado de “chef de Putin” por seus restaurantes chamativos preferidos pelo líder russo.
Ele foi acusado pelo governo dos EUA de tentar influenciar as eleições presidenciais de 2016 nos EUA, e o Grupo Wagner é alvo de sanções dos EUA e da União Europeia.
‘guerra híbrida’
O plano de jogo da Rússia para a África, onde aplicou sua influência ao norte da Líbia e ao sul de Moçambique, é direto em alguns aspectos, dizem analistas. Ele busca alianças com governos evitados pelo Ocidente ou que enfrentam levantes armados e desafios internos ao seu governo.
Os líderes africanos obtêm o reconhecimento do Kremlin e a força militar de Wagner. Eles pagam por isso dando à Rússia acesso privilegiado ao seu petróleo, gás, ouro, diamantes e minerais valiosos.
A Rússia também ganha posições em um continente estrategicamente importante.
Mas há outro objetivo da “guerra híbrida” da Rússia na África, disse Joseph Siegle, diretor de pesquisa do Centro Africano de Estudos Estratégicos.
Siegle disse que a Rússia também está travando uma batalha ideológica, usando Wagner como uma “ferramenta coercitiva” para minar as ideias ocidentais de democracia e direcionar os países para Moscou. Putin quer desafiar a ordem democrática internacional “porque a Rússia não pode competir muito bem nessa ordem”, disse Siegle.
“Se a democracia é considerada o modelo de governança aspiracional final, isso é restritivo para a Rússia”, disse Siegle.
Em vez disso, Wagner promove os interesses russos com soldados e armas, mas também por meio de propaganda e desinformação, como Prigozhin fez com Putin antes.
Na RCA, os combatentes Wagner circulam pela capital Bangui em veículos militares não identificados e guardam as minas de ouro e diamantes do país.
Eles ajudaram a conter grupos rebeldes armados e a manter o presidente Faustin-Archange Touadera no poder, mas seu alcance vai muito além.
O russo Valery Zakharov é o conselheiro de segurança nacional de Touadera, mas também uma “figura-chave” na estrutura de comando de Wagner, segundo documentos da UE que acusam o grupo mercenário de graves violações de direitos humanos.
guerra da Ucrânia
Uma estátua erguida no ano passado em Bangui mostra soldados russos lado a lado para proteger uma mulher e seus filhos.
A Rússia é escalada como salvadora do país e marchas pró-Rússia foram realizadas em apoio à guerra na Ucrânia e para criticar a ex-parceira de segurança França – embora vários manifestantes tenham dito que são pagos.
“Um ditado da África Central diz que quando alguém te ajuda, você tem que retribuir. É por isso que nos mobilizamos para apoiar a Rússia”, disse Didacien Kossimmatchi, funcionário do partido político de Touadera. “A Rússia nos absolveu da dominação inaceitável do Ocidente.”
Kossimmatchi disse que a Rússia estava “agindo em legítima defesa” na Ucrânia.
Esse apoio dos países africanos é um sucesso estratégico para a Rússia.
Quando as Nações Unidas votaram uma resolução condenando a invasão da Ucrânia, 17 dos 35 países que se abstiveram da votação – quase metade – eram africanos. Várias outras nações africanas não registraram um voto.
“A África está rapidamente se tornando crucial para os esforços de Putin para diluir a influência dos Estados Unidos e suas alianças internacionais”, disse um relatório em março do Tony Blair Institute for Global Change, uma organização sem fins lucrativos criada pelo ex-primeiro-ministro britânico.
A estratégia da Rússia na África tem um custo mínimo econômica e politicamente. Analistas estimam que Wagner opera com apenas algumas centenas a 2.000 mercenários em um país.
Muitos são ex-inteligência militar russa, disse Siegle, mas por ser uma força privada, o Kremlin pode negar a responsabilidade pelas ações de Wagner.
O preço real é pago por pessoas comuns.
‘Mais violência’
As pessoas da RCA não estão mais seguras, disse Pauline Bax, vice-diretora do Programa África do think tank International Crisis Group. “Na verdade, há mais violência e intimidação”, disse ela.
A França, os EUA e grupos de direitos humanos acusaram os mercenários de Wagner de assassinatos extrajudiciais de civis na RCA. Um painel de especialistas da ONU disse que grupos militares privados e “particularmente o Grupo Wagner” assediaram violentamente pessoas e cometeram estupro e violência sexual. São apenas as últimas acusações de graves abusos por parte do grupo.
A CAR em 2021 reconheceu graves violações de direitos humanos por parte dos russos, que forçaram o embaixador russo Vladimir Titorenko a deixar seu cargo.
O Grupo Wagner respondeu com uma ofensiva de charme – criando filmes destinados a agradar o público, patrocinando concursos de beleza e distribuindo materiais educativos que promovem o envolvimento da Rússia na África. O russo agora está sendo ensinado nas universidades.
A Rússia levou seu projeto do CAR para Mali e outros lugares da África. No Mali, houve um “desenraizamento da democracia”, disse Aanu Adeoye, analista de assuntos Rússia-África do think tank Chatham House, com sede em Londres.
Após golpes em 2020 e no ano passado, a França está retirando tropas de sua ex-colônia que ajudavam a combater grupos armados desde 2013.
Wagner se mudou, fechando um acordo de segurança com o novo governo militar do Mali, que então expulsou o embaixador francês e baniu as emissoras de TV francesas. As tensões com o Ocidente aumentaram.
Assim como a violência. No mês passado, o exército do Mali e soldados estrangeiros que testemunhas suspeitam serem russos mataram cerca de 300 homens na cidade rural de Moura.
Alguns dos mortos eram suspeitos de serem combatentes, mas a maioria era de civis, disse a Human Rights Watch, chamando-o de “abate deliberado de pessoas sob custódia”.
Esta semana, quando as forças francesas entregaram o controle da base militar de Gossi, supostos agentes Wagner enterraram às pressas vários corpos nas proximidades e uma campanha russa nas redes sociais culpou a França pelos túmulos. Os militares franceses, no entanto, usaram vigilância aérea após sua retirada para mostrar a criação das sepulturas de areia.
Ambas as atrocidades carregam as marcas dos mercenários Wagner e da marca de política externa da Rússia sob Putin, dizem vários analistas.
“Eles não se preocupam com coisas menores, como democracia e direitos humanos”, disse Adeoye, da Chatham House.
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