Roman Vassilenko, vice-ministro das Relações Exteriores do Cazaquistão, pede diplomacia para acabar com a guerra Rússia-Ucrânia.
Durante a guerra na Ucrânia, o Cazaquistão caminhou por uma linha delicada.
A ex-nação soviética da Ásia Central parou de criticar abertamente a Rússia, sua aliada tradicional, e pediu regularmente a paz.
Em grande parte, optou por se abster, em vez de ficar do lado da Rússia, nas votações das Nações Unidas sobre a guerra.
O presidente Kassym-Jomart Tokayev manteve contato não apenas com o presidente russo, Vladimir Putin, mas também com seus colegas ucranianos e ocidentais. Ele forneceu abrigo para russos que fugiam da mobilização e se recusou a reconhecer terras ucranianas ocupadas como território russo.
E em várias cidades ucranianas, os yurts de “invencibilidade” montados pelos cazaques são símbolos poderosos de apoio humanitário. As tendas oferecem comida cazaque gratuita, chá e hubs para carregar dispositivos eletrônicos.
À medida que a guerra avança, as autoridades dizem que estão abertas a assumir um papel de mediação e sediarão o Fórum Internacional de Astana em junho, quando a segurança global estará na agenda.
Mas, ao mesmo tempo, a Rússia ainda é o maior parceiro comercial do Cazaquistão e os dois países compartilham uma das fronteiras mais longas do mundo. Também foi acusado de ajudar a Rússia a contornar sanções punitivas ocidentais, alegações que levaram a novas medidas visando a transparência.
A Al Jazeera conversa com o vice-ministro das Relações Exteriores do Cazaquistão, Roman Vassilenko, sobre a Rússia, a Ucrânia e as possibilidades de paz.
Al Jazeera: A guerra da Rússia na Ucrânia se arrasta há mais de um ano. Milhares de pessoas foram mortas. Esta semana, a Save the Children anunciou outro marco sombrio – que o número de crianças mortas passou de 500. Nesta fase, como você caracteriza a invasão russa?
Roman Vassilenko: Estamos muito preocupados com esta guerra. É um conflito entre dois países próximos ao Cazaquistão. O Cazaquistão mantém relações com a Rússia e a Ucrânia e compartilha a fronteira contínua mais longa do mundo com a Rússia de 7.500 km (4.660 milhas). Mas também, o Cazaquistão mantém laços econômicos muito estreitos com a Ucrânia.
E existem milhões de laços pessoais, porque no Cazaquistão, de 20 milhões de pessoas, temos 3,5 milhões de russos étnicos que são cidadãos do Cazaquistão. E há 250.000 ucranianos no Cazaquistão, também cidadãos do Cazaquistão.
Há até um milhão de cazaques étnicos que são cidadãos russos.
Para nós, não é uma guerra distante. É muito, muito trágico e preocupante. E é por isso que o Cazaquistão, desde os primeiros dias, se colocou à disposição como mediador.
Defendemos a integridade territorial de todos os estados, incluindo a Ucrânia, com base na Carta da ONU. Não reconhecemos o [September 2022 Russia-led annexation] votos em [four] regiões do sudeste da Ucrânia, nem reconhecemos sua adição à Federação Russa. Nós os reconhecemos como ucranianos.
Al Jazeera: Você tem uma história profunda, uma longa fronteira e fortes laços econômicos e culturais com a Rússia. Você pode exercer mais influência para parar a guerra?
Vassilenko: Só podemos usar métodos diplomáticos e só podemos usar o poder de persuasão. Como vizinho da Rússia e como país que continua a manter laços com a Rússia, repetimos continuamente, é claro, esta posição e esperamos que esta posição seja ouvida.
Al Jazeera: Você acha que a invasão foi justificada?
Vassilenko: Não declaramos publicamente nossa posição sobre a justificativa da guerra ou não. O que declaramos publicamente é que queremos que esse conflito termine o mais rápido possível.
O Cazaquistão forneceu assistência humanitária à Ucrânia. Nosso povo prestou assistência humanitária ao povo ucraniano. Yurts de invencibilidade foram montados em várias cidades da Ucrânia pelo Cazaquistão.
Isso fala sobre a atitude da sociedade em relação a esse conflito. Queremos fazer a nossa parte. Queremos que acabe o mais rápido possível. É muito, muito, muito doloroso assistir.
Al Jazeera: A diversidade do Cazaquistão representa algum desafio doméstico, em termos de como a guerra é vista?
Vassilenko: Temos mais de 120 grupos étnicos. Muitas pessoas no Cazaquistão perceberam que paz e harmonia preciosas temos aqui em nossa sociedade – e quanto mais esforço precisamos para manter isso e evitar possíveis conflitos baseados em etnia ou religião.
Al Jazeera: Mas alguns cidadãos do Cazaquistão teriam ido lutar pela Ucrânia…
Vassilenko: Já ouvi algumas histórias específicas… O que eu diria é que, de acordo com nossa lei, lutar em guerras estrangeiras é ilegal.
Essas pessoas, se decidirem fazer isso, estão sujeitas a processos criminais e a punição é bastante severa – então não encorajamos mercenários.
Al Jazeera: Desde que a guerra começou, observadores disseram que o Cazaquistão está tentando sair da esfera de influência da Rússia, talvez com medo de que um dia possa estar na posição da Ucrânia…
Vassilenko: O Cazaquistão está localizado no coração da Eurásia. E sendo o maior país sem litoral, [it] tem perseguido o que veio a ser conhecido como uma política externa multivetorial, o que significa que construímos boas relações normais com a Rússia, com a China, com o Ocidente.
São relacionamentos baseados no respeito mútuo.
No ano passado, percebemos talvez com muita clareza que esta é a política externa perfeita para o Cazaquistão, porque embora seja o nono maior país do mundo, também faz fronteira com duas das maiores nações do mundo em tamanho, a Rússia, e em população, China.
O Cazaquistão quer construir suas relações normais com todos os seus vizinhos.
Está em nosso DNA buscar a resolução pacífica de conflitos. Desmantelamos o quarto maior arsenal nuclear do mundo, que herdamos quando a União Soviética entrou em colapso. Entendemos que a diplomacia é a melhor forma de proteger nossos interesses nacionais.
Continuaremos fiéis a esse princípio e continuaremos a apresentá-lo fortemente à Rússia, à China e ao Ocidente. O Cazaquistão não é a favor de nenhum grande jogo novamente no século XXI.
Al Jazeera: Há preocupações, porém, de que o Cazaquistão esteja ajudando a Rússia a driblar as sanções ocidentais. As exportações do Cazaquistão para a Rússia, no ano passado, por exemplo, aumentaram…
Vassilenko: O Cazaquistão faz parte da União Econômica da Eurásia com a Rússia. Não há controles alfandegários na fronteira entre o Cazaquistão e a Rússia – e há 51 passagens de fronteira entre nossos países. Então você pode imaginar a intensidade da troca no dia a dia.
Mas desde o primeiro dia do conflito, dissemos que, embora não imponhamos sanções à Rússia, também não permitiremos que nosso território seja usado para contornar as sanções.
[As well as from Europe, we receive] produtos de alto padrão, incluindo máquinas de lavar e geladeiras e iPhones, também de países que não impõem nenhuma sanção à Rússia, como China, Índia, Vietnã. E são esses produtos que chegam à Rússia porque os empresários do Cazaquistão não veem problemas legais nisso.
No entanto, decidimos introduzir a partir de 1º de abril um sistema de monitoramento eletrônico de mercadorias exportadas na União Econômica da Eurásia – para que possamos rastrear essas mercadorias.
Al Jazeera: Com o monitoramento das exportações, o que o senhor espera conseguir com os dados?
Vassilenko: Temos diretrizes muito claras para os negócios sobre o que é possível exportar para a Rússia e o que não é aconselhável exportar para a Rússia, dadas as circunstâncias.
Al Jazeera: Você falou sobre os laços do Cazaquistão com as nações ocidentais. Você acha que o Ocidente tem algum mal-entendido sobre a região da Ásia Central?
Vassilenko: Não, acho que o Ocidente entende muito bem a Ásia Central e acho que eles entendem muito bem a situação na Rússia e na Ucrânia.
Nossa mensagem é, por favor, continue a entender a precariedade e a natureza delicada de nossa posição, porque estamos realmente neste bairro.
A região agora está cercada pelos países mais sancionados do mundo – infelizmente para nós e para o nosso comércio.
Não temos nada fácil aqui. Precisamos de apoio também para o desenvolvimento econômico. Estamos comprometidos com a construção da democracia. A democracia não se constrói num estalar de dedos. Precisamos ser pacientes. Estamos nos movendo em direção aos mais elevados ideais de democracia – democracia participativa. Precisamos de apoio nesse caminho.
Al Jazeera: Após o fim da guerra Rússia-Ucrânia, que lições o mundo terá?
Vassilenko: Teremos que, senão reinventar a ONU, de alguma forma fortalecer a ONU e fortalecer o sistema internacional.
[This war] deixa claro que o mundo não tem plano B. Este é o nosso planeta. Precisamos realmente trabalhar nas questões mais prementes que nosso mundo enfrenta. Não é hora de resolver diferenças por meio da guerra.
Nota do editor: Esta entrevista foi levemente editada para maior clareza e brevidade.
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