Os israelenses não estão se manifestando pela democracia


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A democracia em Israel significaria o fim do apartheid. Não é isso que os manifestantes israelenses querem.

Israelenses protestam contra a nova coalizão de direita do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu
Israelenses protestam contra a nova coalizão de direita do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e suas reformas judiciais propostas em Tel Aviv em 14 de janeiro de 2023 [Reuters/ Amir Cohen]

No fim de semana, dezenas de milhares de israelenses foram às ruas de Tel Aviv e outras cidades para protestar contra o que consideram uma erosão da democracia de seu país. As manifestações foram provocadas pela legislação anunciada pelo governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu que – se aprovada pelo Knesset – reformaria o sistema judicial israelense. A medida é vista por muitos como uma tentativa do primeiro-ministro, que está sendo processado por acusações de corrupção, de controlar o judiciário e escapar da prisão.

Alguns dos slogans exibidos nos protestos proclamavam “o fim da democracia” sob um “governo criminoso”. Com certeza, a coalizão de partidos religiosos de extrema-direita e conservadores de Netanyahu não é defensora do pluralismo, dos direitos civis e das liberdades. Eles incluem o Kahanista armador Itamar Ben-Gvir, que é o novo ministro da Segurança Interna, e o auto-descrito “orgulhoso homofóbico” Bezalel Smotrich, que assumiu a pasta das finanças.

O próprio Netanyahu também não é defensor do estado de direito, tendo feito tudo e qualquer coisa para se agarrar ao poder e evitar ser responsabilizado por práticas corruptas.

Mas destacá-lo como um “ministro do crime” e seu governo como aquele que “destrui a democracia israelense” é um exagero. Não houve primeiro-ministro israelense que não tenha sido um criminoso com as mãos manchadas com o sangue dos palestinos, e não houve governo israelense que realmente defendesse a democracia. O “estado democrático” israelense é e sempre foi um mito, uma ilusão construída para sustentar a opressão do povo palestino e continuar sua expropriação.

Basta ver quem apareceu nos protestos “pró-democracia”. Houve o ex-primeiro-ministro e ministro da Defesa Benny Gantz, que foi acusado de crimes de guerra durante a guerra de 2014 em Gaza. Ele disse à multidão que eles deveriam lutar de “todas as formas legais para evitar um golpe”. Depois, houve a ex-ministra das Relações Exteriores Tzipi Livni, também acusada de crimes de guerra em Gaza, mas pela guerra de 2009 na faixa. Ela declarou: “Juntos protegeremos o estado porque é para todos nós”.

Mas “para todos nós” não é. Isso ficou claro quando a multidão se tornou hostil ao pequeno número de antissionistas que compareceram ao protesto com bandeiras palestinas. Esses foram rapidamente derrubados por outros manifestantes “pró-democracia”.

Vale também dar uma olhada na instituição que Netanyahu é acusado de agredir: a Suprema Corte de Israel, que fiscaliza o comprometimento do regime israelense com seu arcabouço constitucional, também conhecido como Leis Básicas. Os manifestantes dizem que é uma entidade importante que, se destruída, diminuiria os freios e contrapesos dentro do estado de Israel.

Mas o longo histórico de decisões da Suprema Corte contra os direitos palestinos questiona se ela alguma vez manteve freios e contrapesos sobre o poder militar israelense absoluto ou se forneceu um verniz legal para os crimes do regime israelense contra o povo palestino.

Por exemplo, em uma decisão de 2018 sobre os regulamentos de fogo aberto usados ​​pelo exército israelense durante a Marcha do Retorno em Gaza, o tribunal concluiu que o exército se ateve aos princípios de necessidade e proporcionalidade, o que obviamente não é o caso. Durante os dois anos em que a marcha foi realizada, 214 palestinos desarmados foram mortos e dezenas de milhares ficaram feridos (muitos ficaram incapacitados como resultado) devido a tiros indiscriminados do exército israelense.

Em julho, o mesmo tribunal decidiu que um assentamento judaico ilegal construído em terras palestinas de propriedade privada na Cisjordânia era legal, abrindo caminho para mais confiscos em massa de terras palestinas ocupadas, o que equivale a um crime de guerra. No mesmo mês, também aprovou a retirada da cidadania dos cidadãos palestinos de Israel se forem considerados “desleais”.

Estes são apenas alguns exemplos entre muitos que demonstram como a Suprema Corte de Israel sancionou continuamente as violações dos direitos palestinos desde a sua criação. Claro, esse fato é completamente ignorado pelos manifestantes, que o veem como uma instituição que garante seus direitos.

De fato, a legislação de reforma judicial, juntamente com a agenda ultraconservadora perseguida pelos aliados de extrema direita de Netanyahu, colocou os sionistas liberais em pânico. Suas liberdades, que sempre vieram à custa dos direitos dos palestinos, estão prestes a ser corroídas. Eles não serão mais capazes de proclamar com alegria que seu estado é um farol de luz em uma região selvagem.

A fachada está caindo, e o regime israelense está revelando ao mundo uma dura verdade: que sua própria fundação é inerentemente antitética à democracia.

De que outra forma se pode descrever uma entidade que foi construída sobre a limpeza étnica de outras pessoas e implementa um regime de apartheid? De que outra forma se pode descrever um regime que mantém todo um grupo de pessoas trancado a sete chaves? De que outra forma se pode descrever um regime cujas leis fundadoras consagram a supremacia de um grupo de cidadãos sobre outro?

Se o governo de extrema direita de Netanyahu caísse amanhã, nada disso mudaria. Na verdade, os manifestantes “pró-democracia” não querem que isso mude. Isso porque eles querem preservar a supremacia judaica e o apartheid israelense do rio Jordão ao mar Mediterrâneo mais do que qualquer outra coisa.

As opiniões expressas neste artigo são do próprio autor e não refletem necessariamente a posição editorial da Al Jazeera.


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