Embora haja sinais de fadiga de guerra na sociedade alemã, é improvável que Berlim mude de ideia.
Desde o início da invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia, a Alemanha tem sido frequentemente criticada, especialmente por membros da União Européia na Europa Oriental, por ser muito cautelosa. Eles repreenderam o governo alemão principalmente por demorar no fornecimento de armas.
Para ser justo, Berlim enviou algumas armas, incluindo obuses autopropulsados e múltiplos lançadores de foguetes, que provaram seu valor na luta contra as forças russas. E o governo alemão tem sido bastante direto nas sanções contra a Rússia. Ele interrompeu o lucrativo projeto do gasoduto Nord Stream 2, fornecendo gás russo ao país, mesmo antes do início da invasão russa.
No entanto, agora há alguns sinais de que a sociedade alemã está ficando cansada da guerra na Ucrânia. Uma pesquisa realizada em outubro sugere que 40% dos alemães acreditam total ou parcialmente que a OTAN provocou a invasão da Ucrânia pela Rússia. Esse número aumenta para impressionantes 59% nas províncias que já fizeram parte da Alemanha Oriental comunista.
Cerca de um terço dos entrevistados concorda que a Ucrânia é historicamente parte da Rússia e aproximadamente o mesmo número aceita a teoria da conspiração de que os EUA montaram laboratórios secretos em solo ucraniano para desenvolver armas biológicas.
O que importa nesta pesquisa é a tendência. Em comparação com uma pesquisa realizada pela mesma organização, CeMAS, em abril, a proporção de entrevistados com opiniões favoráveis ou compatíveis com a Rússia cresceu.
Que a propaganda do Kremlin tenha sucesso na Alemanha dificilmente é novidade. O antiamericanismo na extrema esquerda e na extrema direita, juntamente com o pacifismo embutido na cultura política de Berlim, fornece um terreno fértil para as narrativas russas. Mas a Alemanha não está sozinha nisso, como mostram os dados.
Na Itália, o apoio público ao envio de armas para a Ucrânia gira em torno de 41%, em comparação com 57% na Alemanha e 62% na França. O ceticismo prevalece na Eslováquia, na Bulgária – cujo parlamento, no entanto, decidiu enviar suprimentos militares para Kyiv – e na Hungria, o único reduto da UE no momento. Na Grécia, 28% culpam a OTAN pelo conflito, e na Bulgária, 44%.
A guerra – e particularmente seu impacto na inflação de energia – também gerou descontentamento. Em 29 de outubro, uma grande manifestação foi realizada em Praga contra as políticas do governo pró-UE em apoio à Ucrânia. Em 5 de novembro, dezenas de milhares marcharam em Roma, pedindo paz e paralisando a entrega de armas a Kyiv. A Alemanha também assistiu a manifestações e greves contra a guerra e o aumento do custo de vida.
É precisamente para isso que visa a estratégia do presidente russo, Vladimir Putin. Ao prolongar a guerra de várias maneiras – de uma mobilização em massa a ataques implacáveis contra a infraestrutura civil em toda a Ucrânia – ele está apostando na unidade ocidental se desfazendo na linha.
Ele também tentou exercer pressão econômica sobre a UE cortando o fornecimento de gás pouco antes do início do inverno europeu. Os países da UE conseguiram encher os locais de armazenamento para usar durante a estação de aquecimento, e o preço do gás natural caiu após picos durante o verão, o que poderia mitigar o efeito da chantagem energética da Rússia.
Ainda assim, uma recessão está no horizonte e os governos da UE podem enfrentar um forte desafio dos populistas mais uma vez. As recentes eleições na Itália e na Suécia, nas quais os partidos de extrema-direita obtiveram ganhos significativos, são um sinal de alerta.
Os populistas podem usar como bodes expiatórios os refugiados ucranianos, incluindo os mais de 1 milhão que estão atualmente na Alemanha. Se Berlim mudasse e cortasse o apoio a Kyiv, outros países da UE rapidamente seguiriam o exemplo. Tendo sofrido reveses humilhantes no campo de batalha, Putin está apostando na vitória na frente política na Europa.
Por enquanto, tal vitória não é tão provável. A opinião pública na Alemanha ainda apoia a Ucrânia.
Uma pesquisa de setembro realizada pela emissora pública ZDF mostra que 74% dos alemães são a favor do apoio à Ucrânia, apesar das altas contas de energia, que caíram desde então. Em outra pesquisa de outubro, cerca de 86% dos cidadãos veem a Rússia como um “fator de ameaça global”. É improvável que isso mude daqui para frente.
A estratégia de longo prazo da Alemanha também reflete um forte apoio a uma frente anti-Rússia. Berlim revelou um programa ambicioso para aumentar os gastos com defesa e reformular a política externa e de segurança.
Com o governo alemão estabelecendo um fundo de 100 bilhões de euros (US$ 102 bilhões) para modernizar as forças armadas, a Rússia enfrenta uma UE muito mais potente a oeste de sua fronteira. E, como mostram as entregas de armas para a Ucrânia, alguns dos novos equipamentos adquiridos por Berlim podem acabar na frente de batalha nas regiões de Donbass ou Zaporizhia.
Na frente diplomática, o chanceler Olaf Scholz não se apressou em apoiar os pedidos de negociações de paz entre a Ucrânia e a Rússia. Na verdade, ele está se esforçando para persuadir a China, a Índia e outras potências a se distanciarem de Putin.
Scholz recebeu algumas críticas por ter feito uma visita a Pequim, mas a viagem parece estar valendo a pena. O comunicado final adotado na recente cúpula do G20 na Indonésia aponta nessa direção. Líderes, incluindo o presidente chinês Xi Jinping e o primeiro-ministro indiano Narendra Modi – rejeitaram “a era da guerra” e condenaram as ameaças de usar armas nucleares, um desprezo não tão sutil de Putin.
Mas se há um ator ocidental que pode mudar o curso da guerra na Ucrânia, não é a Alemanha, mas os Estados Unidos. O apoio americano tem sido essencial para ajudar Kyiv a resistir à agressão e liberar cerca de metade das terras ocupadas pela Rússia no início de sua invasão. As eleições inconclusivas de meio de mandato não mudarão significativamente a política dos EUA, mas há uma grande dúvida em relação a Donald Trump.
A maior esperança de Putin é continuar a guerra, causando estragos e imenso sofrimento humano na Ucrânia enquanto espera por uma mudança na Casa Branca em dois anos. O retorno de Trump a Washington seria um prêmio muito maior para o Kremlin do que uma mudança de opinião em Berlim.
As opiniões expressas neste artigo são do próprio autor e não refletem necessariamente a posição editorial da Al Jazeera.
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